De dores doídas e de confetes

Crianças. Esses mini humanos espetaculares, que nos ensinam todos os dias como viver o simples e nós, adultos donos de uma verdade apodrecida pelo tempo, pouco prestamos atenção.

No recreio da escola, na correria , entre a gritaria e as gargalhadas, um menino o chama por um nome feio, por alguma razão boba de crianças que ainda não sabem o real sentido do nome feio.

Pode ter sido a batata derrubada, o refrigerante manchando a camisa da escola ou somente a repetição do que costuma ouvir em casa.

Na educação física, alguém chuta sua canela e dói pacas. Ele não parte pra cima do outro jogador. Continua jogando o jogo. Ele não se acha bom com a bola nos pés, então, fica no gol numa boa.

Na sala de aula, ao final de uma manhã turbulenta, ele descobre que seu celular foi furtado dentro da sala. Ele fica triste de verdade, mas não acusa ninguém.

Sabe o que aconteceu com todas essas dores?

No máximo depois de uma noite no travesseiro, tendo sonhos com super-heróis, dragões e animes, esses pequenos e grandes problemas viraram confetes e foram soprados para cima.

2016-01-11 01.25.56

O vento fez o papel que a ele cabe e os levou para longe. Veio a chuva e eles deixaram de existir.

Crianças não odeiam.

Crianças não guardam rancor.

Crianças se magoam e 5 minutos depois não lembram mais o motivo.

Agora vamos a nós, adultos que tudo sabem. Os senhores das verdades mais verdadeiras do mundo.

Amaldiçoamos quem nos derruba batata ou refrigerante, até a sua quinta geração. Reclamamos que a blusa foi cara e agora está manchada. Se bobear, abrimos um processo por perdas materiais.

No jogo-trabalho, um chute na canela é revidado com uma puxada de tapete, propositalmente para que o outro fique sem chão. Isso nunca será esquecido.

Celular? Nosso bem mais precioso, do qual não podemos prescindir nem mesmo para irmos ao banheiro, ai de quem nos furte. Sofrerá nas chamas do inferno mais baixo. Em menos de um dia, já temos um novo exemplar nas mãos.

E o coração ? Ai de quem nos ferir. Essa terra é sagrada. Não se pisa e se pisar será odiado, mal-falado, perseguido, quiçá morto. Perdemos o tesão, o teto, o chão, o tato, o tino. E queremos que o outro também sofra. E muitas vezes fazemo-lo sofrer mesmo. Só para acalmar a ira.

Não levamos desaforos para casa. Não engolimos sapos. Não deixamos barato. Temos o dever adulto de nos posicionar agressivamente frente a qualquer agressão.

Cuspimos nossas frustrações em cima do primeiro desavisado que pingar a última gota que faltava no copo. Queremos desfiá-lo à unha por ter nos cortado no trânsito. Aceleramos ainda mais , torcendo para que venha um caminhão e que eles batam de frente. Perdemos a razão. Destruímos o coração.

Perdemos a capacidade do perdão.

Esquecemos a inocência da criança.

Deixamos que nossos grandes e pequenos problemas reverberem em nossas caixas de ressonância próprias e emboloradas. E elas ecoam mágoas. E do coração escorre chorume.

Não há chances de soprar confetes ao vento e ver a chuva desmanchá-los.

Não há segundas chances. Não há amor renovado, somente o próximo amor. Porque o do outro ou o próximo será sempre o melhor. Não há intensidade, persistência, esperança, paciência. Não há compreensão. Não há empatia.

De resto, nos sobram as dores, carregadas em enormes malas, que arrastamos pelo caminho. As poças de água parada e suja da alma. Os desejos de vingança. A cobiça e o ódio.

Eu?

Eu tô treinando ser chuva. Tô me jogando inteira ao vento. Tô reduzindo peso. Tô levando comigo o básico. Meu amor pelos meus. Minha vontade de mudar o mundo. Minhas fantasias pueris de amor sincero e atemporal.

Já dá para o gasto.

Daniela Mesquita

Apesar de você

Querido fulano,

Gostaria que você pudesse me ver agora, apesar de ser bastante grata por você não poder.

Eu ando lá em cima, caminhando em nuvens e fazendo de estrelas, meu cobertor.

Você logo acharia que é amor. Não estaria de todo errado. É amor, sim. É muito amor. É amor demais. Mas não amor romântico.

Amor pelo que sou hoje, apesar de você. Tudo, apesar de você.

Amor pela batalha interna que travei por anos, e que ganhei, apesar de você estar sempre a postos para me derrubar.

Amor pelos que me ajudaram e pelos que não me ajudaram. Cada um me ensinou algo.

Amor por cada cicatriz que você me deu. Eu não esquecerei nunca, mas as colori com flores. Muitas flores espalhadas pelo corpo. Não mais me fazem mal, porque hoje só vejo o jardim na minha pele.

Amor pela vida que anda cada vez mais surpreendente. E como mudou! Nossa, nunca poderia cogitar a possibilidade de ter a vida que tenho hoje. Acredite. É de uma gostosura ímpar, apesar de você.

Amor pela gente linda que anda cruzando meu caminho meio torto. Gente que não está nem aí para a vida alheia, para o meu passado e que só quer fazer o bem.

Amor por mim. Muito amor por mim. Amor sem fim por mim.

Amor pela mulher que não se partiu.

Amor pela mãe que nunca fraquejou.

Amor pela alma que se alarga e que não vê limites.

Agora, nesse meu momento, pessoas como você se sentiriam mal só de estar perto. Porque não há lugar para o desamor, para o desafeto ou para o frio no coração.

Aqui e no meu entorno, só há o calor ameno que acolhe. Há a brisa fresca que despenteia os cabelos. Há beleza. Há muita vida na minha vida

Foi mal.

Não há vaga pra você. Nunca mais haverá lugar para você.

Adeus e que nunca mais nos cruzemos na vida.

Um beijo.

Daniela.

O mundo das coisas fantásticas, hoje atravessou o meu caminho.

O mundo das coisas fantásticas, hoje atravessou o meu caminho.

 

Estava passando pela mesma pracinha pela qual todos os dias passo. Vi uma moça de feições tristes que olhava fixamente para o nada. Ela tinha uma beleza comum, mas algo me fez parar para observá-la.

Foi aí que o universo e seus mistérios se fez presente. Vi o amor se desprender da moça. Tinha aparência de névoa com formato engraçado. Hora um cavalinho, hora um balão e tantas outras coisas. De repente essa névoa se desfez em milhões de partículas brilhantes que se amontoaram ao lado da moça, que já não tinha o semblante triste. Cheguei à conclusão de que aquele amor não devia ser o escolhido, ou não era correspondido e a estava matando aos poucos. Mas amor é amor e não se desperdiça.

Então se fez o que se espera que o universo faça: mágica.

O vento soprou tão forte que levantou poeira, vestidos, desalinhou cabelos e espalhou chapéus. E eu ali, testemunha embasbacada do que acontecia. Pontinhos brilhantes se espalhando por todos os lados.

O velhinho recém- viúvo que tomava seu café com pesar, levantou o rosto e pude sentir a tristeza transformar-se em saudade. Saudade de coisas boas, que o fez dar um meio sorriso.

A avó que na cozinha simples preparava um bolo para os netos, teve sua massa polvilhada pelos brilhantes pontinhos e suas preocupações financeiras desapareceram, porque transformaram-se em fé e esperança.

Dois vira-latas que passavam pela rua com cabeças baixas e rabos entre as pernas, de repente levantaram suas cabeças e rabos com a altivez de um cão com pedigree e correram e brincaram, como nunca.

O casal que discutia acaloradamente num dos bancos, estava se beijando.

O português da padaria, pela primeira vez em 40 anos, vendeu fiado à mulher que não tinha o que dar de comer aos dois filhos pequenos.

Os motoristas deram passagem e pararam para os pedestres passarem.

Eu enchi meu coração partido com uma nova sensação. A de que posso ser feliz .E essa é a melhor sensação de todas.

O amor está aí. É só estar atento.2016-01-31 19.09.21-2

Daniela Mesquita

Vida. Parece que comecei a entender.

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The Milky Way in Infrared || Créditos: E. L. Wright (UCLA), The COBE Project, DIRBE, NASA

Um dia, em janeiro de 2015, eu disse bem baixinho para que somente o universo pudesse ouvir, com aquelas duas enormes orelhas abanantes:

“vai ! Tudo bem. Já que é para ser, que seja fantástico e me surpreenda. ”

E se juntaram estrelas. E constelações e galáxias inteiras.

E meu pedido foi ouvido.

E aconteceu a mágica.

A resiliência é tardiamente recompensada, mas sempre é.

E vieram forças que não sabia que me habitavam. E essas forças trouxeram sentimentos que não me sabia capaz de ter.

E um furacão conspirante me levantou do chão como pluma, e me fez dançar num palco de acaso, montado somente para que eu aprendesse a enxergar a beleza de tudo e de todos. Da dor e do riso. De ser forte e poder fraquejar.

E eu, na plateia e no palco, num desdobramento surrealista, vi a vida como ela deve ser: cheia, completa, densa, leve, triste, injusta, assustadora , carinhosa, surpreendente e amorosa. Porque é tudo ao mesmo tempo agora.

E o ano foi indo, caminhando dia após dia. Trazendo consigo amigos, irmãos de coração, pessoas incrivelmente incríveis , decepções, frustrações, alegrias inexplicáveis, tristezas rasas e, principalmente, a vontade de estar por aqui. A vontade de SER.

A vontade de fazer parte, de conspirar junto. De atender às necessidades dos meus semelhantes. De dar amor, sem esperar contrapartida. De ser gente boa. De ser boa mãe e boa filha.

24 horas após 24 horas, sete dias por semana , aprendi que o que nos adoece é a infelicidade e a eterna insatisfação.

E eu só quero o amor. E só tenho para dar, o amor.

Devo desculpas a Drummond, mas não posso mais me ver em seu verso “quarenta anos e nenhum problema resolvido “.

São 40 anos e todos os problemas resolvidos, porque só agora comecei a entender o que é para ser feito por aqui.

Valeu, universo. Eu amei!!!

Somos antídoto

O Antídoto

Somos antídoto.
Somos antídoto porque de alguma forma algo nos queima por dentro e arde a vontade de mudar as coisas.
Somos antídoto porque precisamos desgarrar o mal que fincou suas unhas sujas às nossas gargantas e será pela palavra incendiada que vamos fazê-lo recolher suas garras.
Somos antídotos alienígenas. Somos forças da natureza.
Somos animais não domesticados.
Somos aqueles que veem o que o véu cobre e queimaremos o véu. Que o véu se incendeie e todos possam ver o que tem que ser visto.
Proposta ousada. Quase utópica.
Mas nada é impossível. Que tenhamos fé no universo vasto e conspirador.
Que as palavras voem aos ventos como flechas e acertem seus alvos bem em suas disposições anímicas. Porque é de alma que necessitamos.

Vamos arder.