Crianças. Esses mini humanos espetaculares, que nos ensinam todos os dias como viver o simples e nós, adultos donos de uma verdade apodrecida pelo tempo, pouco prestamos atenção.
No recreio da escola, na correria , entre a gritaria e as gargalhadas, um menino o chama por um nome feio, por alguma razão boba de crianças que ainda não sabem o real sentido do nome feio.
Pode ter sido a batata derrubada, o refrigerante manchando a camisa da escola ou somente a repetição do que costuma ouvir em casa.
Na educação física, alguém chuta sua canela e dói pacas. Ele não parte pra cima do outro jogador. Continua jogando o jogo. Ele não se acha bom com a bola nos pés, então, fica no gol numa boa.
Na sala de aula, ao final de uma manhã turbulenta, ele descobre que seu celular foi furtado dentro da sala. Ele fica triste de verdade, mas não acusa ninguém.
Sabe o que aconteceu com todas essas dores?
No máximo depois de uma noite no travesseiro, tendo sonhos com super-heróis, dragões e animes, esses pequenos e grandes problemas viraram confetes e foram soprados para cima.
O vento fez o papel que a ele cabe e os levou para longe. Veio a chuva e eles deixaram de existir.
Crianças não odeiam.
Crianças não guardam rancor.
Crianças se magoam e 5 minutos depois não lembram mais o motivo.
Agora vamos a nós, adultos que tudo sabem. Os senhores das verdades mais verdadeiras do mundo.
Amaldiçoamos quem nos derruba batata ou refrigerante, até a sua quinta geração. Reclamamos que a blusa foi cara e agora está manchada. Se bobear, abrimos um processo por perdas materiais.
No jogo-trabalho, um chute na canela é revidado com uma puxada de tapete, propositalmente para que o outro fique sem chão. Isso nunca será esquecido.
Celular? Nosso bem mais precioso, do qual não podemos prescindir nem mesmo para irmos ao banheiro, ai de quem nos furte. Sofrerá nas chamas do inferno mais baixo. Em menos de um dia, já temos um novo exemplar nas mãos.
E o coração ? Ai de quem nos ferir. Essa terra é sagrada. Não se pisa e se pisar será odiado, mal-falado, perseguido, quiçá morto. Perdemos o tesão, o teto, o chão, o tato, o tino. E queremos que o outro também sofra. E muitas vezes fazemo-lo sofrer mesmo. Só para acalmar a ira.
Não levamos desaforos para casa. Não engolimos sapos. Não deixamos barato. Temos o dever adulto de nos posicionar agressivamente frente a qualquer agressão.
Cuspimos nossas frustrações em cima do primeiro desavisado que pingar a última gota que faltava no copo. Queremos desfiá-lo à unha por ter nos cortado no trânsito. Aceleramos ainda mais , torcendo para que venha um caminhão e que eles batam de frente. Perdemos a razão. Destruímos o coração.
Perdemos a capacidade do perdão.
Esquecemos a inocência da criança.
Deixamos que nossos grandes e pequenos problemas reverberem em nossas caixas de ressonância próprias e emboloradas. E elas ecoam mágoas. E do coração escorre chorume.
Não há chances de soprar confetes ao vento e ver a chuva desmanchá-los.
Não há segundas chances. Não há amor renovado, somente o próximo amor. Porque o do outro ou o próximo será sempre o melhor. Não há intensidade, persistência, esperança, paciência. Não há compreensão. Não há empatia.
De resto, nos sobram as dores, carregadas em enormes malas, que arrastamos pelo caminho. As poças de água parada e suja da alma. Os desejos de vingança. A cobiça e o ódio.
Eu?
Eu tô treinando ser chuva. Tô me jogando inteira ao vento. Tô reduzindo peso. Tô levando comigo o básico. Meu amor pelos meus. Minha vontade de mudar o mundo. Minhas fantasias pueris de amor sincero e atemporal.
Já dá para o gasto.
Daniela Mesquita